Ítalo do Couto Mantovani*
A crise ambiental deixou de ser tratada como um
problema restrito a ecossistemas distantes e se tornou um fator central de
instabilidade social, econômica e política, afetando diretamente a segurança
pública no Brasil. A devastação ambiental, a disputa por territórios e a
expansão de economias ilícitas formam um conjunto de tensões que atravessam o
país e revelam que o colapso climático não é apenas uma questão ecológica: é um
motor silencioso de violência, precarização e desordem. Quando florestas são
destruídas, rios contaminados e terras capturadas por grupos ilegais, cria-se
um ambiente fértil para redes criminosas que se alastram como trilhas de
pólvora, conectando periferias urbanas, fronteiras amazônicas e regiões
industriais.
A COP30 (30ª Conferência das Partes da
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), realizada em Belém
entre 10 e 21 de novembro de 2025, expôs ao mundo, de forma contundente, a
interdependência cada vez mais evidente entre clima, território e segurança
pública. Com a presença de mais de 190 delegações internacionais, cerca de 50
mil participantes e 1,6 mil lideranças indígenas de nove países amazônicos, o
evento transformou a floresta no centro da diplomacia climática global. Mais do
que discutir metas de carbono, a conferência explicitou que a Amazônia deixou
de ser tratada como um problema ambiental e se tornou o coração geopolítico que
molda a governabilidade do Brasil. Entre anúncios de investimentos verdes,
protestos indígenas por demarcação e debates sobre transição energética justa,
emergiu uma verdade incômoda: a crise climática brasileira tem fronteiras,
rotas logísticas, facções e armas. Ela se materializa em mercados paralelos que
financiam grupos ilegais, alimentam disputas territoriais, ampliam
desigualdades e fragilizam instituições. Se a floresta está sob ataque, também
estão as cidades que orbitam seus fluxos econômicos — da fronteira amazônica às
regiões metropolitanas e industriais do Sudeste — todas conectadas pela mesma
teia de pressões ambientais, vulnerabilidades sociais e redes criminosas que se
expandem à medida que o clima se desestabiliza.
É nesse contexto que o relatório “Amazônia em
Disputa”, produzido pelo Instituto Igarapé, se torna um documento-chave para
compreender o país. O estudo mostra que a floresta funciona como um território
em disputa permanente, onde avançam redes de garimpo ilegal, extração
clandestina de madeira, grilagem de terras e narcotráfico. Em diversas áreas,
grupos armados substituem o Estado: regulam atividades, controlam fluxos
econômicos e determinam quem vive, quem circula e quem morre. Esse ecossistema
violento, embora concentrado na região amazônica, produz impactos que irradiam
para outras regiões, reorganizando dinâmicas criminosas e ampliando
vulnerabilidades urbanas.
A Região Metropolitana
do Vale do Paraíba e Litoral Norte é um exemplo claro dessa conexão nacional. Região estratégica entre
Rio e São Paulo, marcada por crescimento urbano acelerado, pressão sobre áreas
de mananciais e desigualdades internas, o Vale já sente reverberações desse
cenário mais amplo. Nessa Região, quem de
nós já não observou em algum dos 39 municípios a
intensificação de conflitos por uso do solo, a fragilização de áreas
ambientais, a expansão desordenada da malha urbana e a vulnerabilização de
comunidades periféricas expostas a enchentes, calor extremo, falta de
infraestrutura e abandono do poder público, fatores
que, combinados, ampliam o terreno onde o crime organizado se infiltra,
aproveitando-se de brechas sociais e territoriais.
Nesse quadro, os
municípios deixam de ser espectadores e passam a ser agentes decisivos na
construção de respostas. É no nível local que se materializam as primeiras
linhas de defesa contra a degradação ambiental, a expansão criminosa e a
vulnerabilidade social. No Vale do Paraíba, políticas municipais de segurança
precisam reconhecer que proteger o território é também proteger as pessoas, e
que segurança pública não pode mais ser entendida apenas como policiamento ou
repressão. A integração entre gestão ambiental, planejamento urbano e prevenção
social é a única estratégia capaz de produzir resultados duradouros.
Isso significa investir em monitoramento territorial,
combater ocupações irregulares, proteger áreas de mananciais e usar tecnologia
para identificar zonas de risco e prevenir desastres. Significa também criar
programas robustos para juventudes vulneráveis, ampliando oportunidades de
educação, cultura e trabalho que reduzam a adesão às redes criminosas. A Guarda
Civil pode desempenhar um papel ampliado, atuando em prevenção ambiental,
mediação territorial e apoio a ações de resiliência urbana, fortalecendo a
presença do Estado em áreas onde sua ausência alimenta a insegurança.
Além disso, o planejamento urbano precisa ser
tratado como política de segurança: controlar a expansão desordenada,
qualificar habitações, reduzir ilhas de calor e garantir saneamento e
mobilidade são medidas que reduzem conflitos e fortalecem o tecido social. O
que se desenha, portanto, é um novo paradigma. O Brasil não enfrenta apenas uma
crise ambiental; enfrenta uma reorganização profunda de seus territórios e de
seus riscos. Para os municípios do Vale do Paraíba, como Pindamonhangaba,
compreender essa dinâmica e agir de forma integrada é a diferença entre reagir
ao caos ou construir um futuro mais seguro, sustentável e resiliente. O meio
ambiente, hoje, é o eixo estruturante da segurança pública e ignorar isso é
deixar o terreno livre para que a violência se enraíze onde o Estado falha em
proteger, planejar e cuidar.
Em síntese, o Brasil entrou numa era em que
clima, território e segurança já não podem ser pensados separadamente. A crise
ambiental acelera desigualdades, enfraquece instituições e redesenha a
geografia da violência, exigindo que municípios deixem de atuar como
administradores reativos e se tornem planejadores estratégicos do futuro. No
Vale do Paraíba, reconhecer essa nova realidade é mais do que um imperativo técnico:
é uma escolha política que definirá se a região seguirá vulnerável às pressões
combinadas da degradação e do crime ou se avançará na construção de cidades
capazes de proteger suas populações e seus ecossistemas. O desafio é enorme,
mas a oportunidade também e ignorá-la
não é mais uma opção.
* Diretor da Divisão de Estudos e Monitoramento da
Coordenadoria da Atividade Delegada – Gabinete do Vice-Prefeito da Cidade de
São Paulo
Formado em Gestão de Políticas Públicas pela USP
Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional
Graduando e História pela USP
Professor de Cursinho pré-vestibular em São Paulo
Contato: italocmantovani@gmail.com

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