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quarta-feira, 26 de novembro de 2025

DA FLORESTA ÀS CIDADES: QUANDO O CLIMA VIRA CASO DE SEGURANÇA PÚBLICA



 

Ítalo do Couto Mantovani*

 

A crise ambiental deixou de ser tratada como um problema restrito a ecossistemas distantes e se tornou um fator central de instabilidade social, econômica e política, afetando diretamente a segurança pública no Brasil. A devastação ambiental, a disputa por territórios e a expansão de economias ilícitas formam um conjunto de tensões que atravessam o país e revelam que o colapso climático não é apenas uma questão ecológica: é um motor silencioso de violência, precarização e desordem. Quando florestas são destruídas, rios contaminados e terras capturadas por grupos ilegais, cria-se um ambiente fértil para redes criminosas que se alastram como trilhas de pólvora, conectando periferias urbanas, fronteiras amazônicas e regiões industriais.

A COP30 (30ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima), realizada em Belém entre 10 e 21 de novembro de 2025, expôs ao mundo, de forma contundente, a interdependência cada vez mais evidente entre clima, território e segurança pública. Com a presença de mais de 190 delegações internacionais, cerca de 50 mil participantes e 1,6 mil lideranças indígenas de nove países amazônicos, o evento transformou a floresta no centro da diplomacia climática global. Mais do que discutir metas de carbono, a conferência explicitou que a Amazônia deixou de ser tratada como um problema ambiental e se tornou o coração geopolítico que molda a governabilidade do Brasil. Entre anúncios de investimentos verdes, protestos indígenas por demarcação e debates sobre transição energética justa, emergiu uma verdade incômoda: a crise climática brasileira tem fronteiras, rotas logísticas, facções e armas. Ela se materializa em mercados paralelos que financiam grupos ilegais, alimentam disputas territoriais, ampliam desigualdades e fragilizam instituições. Se a floresta está sob ataque, também estão as cidades que orbitam seus fluxos econômicos — da fronteira amazônica às regiões metropolitanas e industriais do Sudeste — todas conectadas pela mesma teia de pressões ambientais, vulnerabilidades sociais e redes criminosas que se expandem à medida que o clima se desestabiliza.

É nesse contexto que o relatório “Amazônia em Disputa”, produzido pelo Instituto Igarapé, se torna um documento-chave para compreender o país. O estudo mostra que a floresta funciona como um território em disputa permanente, onde avançam redes de garimpo ilegal, extração clandestina de madeira, grilagem de terras e narcotráfico. Em diversas áreas, grupos armados substituem o Estado: regulam atividades, controlam fluxos econômicos e determinam quem vive, quem circula e quem morre. Esse ecossistema violento, embora concentrado na região amazônica, produz impactos que irradiam para outras regiões, reorganizando dinâmicas criminosas e ampliando vulnerabilidades urbanas.

A Região Metropolitana do Vale do Paraíba e Litoral Norte é um exemplo claro dessa conexão nacional. Região estratégica entre Rio e São Paulo, marcada por crescimento urbano acelerado, pressão sobre áreas de mananciais e desigualdades internas, o Vale já sente reverberações desse cenário mais amplo. Nessa Região, quem de nós já não observou em algum dos 39 municípios a intensificação de conflitos por uso do solo, a fragilização de áreas ambientais, a expansão desordenada da malha urbana e a vulnerabilização de comunidades periféricas expostas a enchentes, calor extremo, falta de infraestrutura e abandono do poder público,  fatores que, combinados, ampliam o terreno onde o crime organizado se infiltra, aproveitando-se de brechas sociais e territoriais.

Nesse quadro, os municípios deixam de ser espectadores e passam a ser agentes decisivos na construção de respostas. É no nível local que se materializam as primeiras linhas de defesa contra a degradação ambiental, a expansão criminosa e a vulnerabilidade social. No Vale do Paraíba, políticas municipais de segurança precisam reconhecer que proteger o território é também proteger as pessoas, e que segurança pública não pode mais ser entendida apenas como policiamento ou repressão. A integração entre gestão ambiental, planejamento urbano e prevenção social é a única estratégia capaz de produzir resultados duradouros.

Isso significa investir em monitoramento territorial, combater ocupações irregulares, proteger áreas de mananciais e usar tecnologia para identificar zonas de risco e prevenir desastres. Significa também criar programas robustos para juventudes vulneráveis, ampliando oportunidades de educação, cultura e trabalho que reduzam a adesão às redes criminosas. A Guarda Civil pode desempenhar um papel ampliado, atuando em prevenção ambiental, mediação territorial e apoio a ações de resiliência urbana, fortalecendo a presença do Estado em áreas onde sua ausência alimenta a insegurança.

Além disso, o planejamento urbano precisa ser tratado como política de segurança: controlar a expansão desordenada, qualificar habitações, reduzir ilhas de calor e garantir saneamento e mobilidade são medidas que reduzem conflitos e fortalecem o tecido social. O que se desenha, portanto, é um novo paradigma. O Brasil não enfrenta apenas uma crise ambiental; enfrenta uma reorganização profunda de seus territórios e de seus riscos. Para os municípios do Vale do Paraíba, como Pindamonhangaba, compreender essa dinâmica e agir de forma integrada é a diferença entre reagir ao caos ou construir um futuro mais seguro, sustentável e resiliente. O meio ambiente, hoje, é o eixo estruturante da segurança pública e ignorar isso é deixar o terreno livre para que a violência se enraíze onde o Estado falha em proteger, planejar e cuidar.

Em síntese, o Brasil entrou numa era em que clima, território e segurança já não podem ser pensados separadamente. A crise ambiental acelera desigualdades, enfraquece instituições e redesenha a geografia da violência, exigindo que municípios deixem de atuar como administradores reativos e se tornem planejadores estratégicos do futuro. No Vale do Paraíba, reconhecer essa nova realidade é mais do que um imperativo técnico: é uma escolha política que definirá se a região seguirá vulnerável às pressões combinadas da degradação e do crime ou se avançará na construção de cidades capazes de proteger suas populações e seus ecossistemas. O desafio é enorme, mas a oportunidade também  e ignorá-la não é mais uma opção.

 

* Diretor da Divisão de Estudos e Monitoramento da Coordenadoria da Atividade Delegada – Gabinete do Vice-Prefeito da Cidade de São Paulo

Formado em Gestão de Políticas Públicas pela USP

Mestre em Gestão e Desenvolvimento Regional

Graduando e História pela USP

Professor de Cursinho pré-vestibular em São Paulo

Contato: italocmantovani@gmail.com

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