Ítalo do Couto
Mantovani*
O recém-lançado
Atlas da Violência 2025, elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), apresenta
um panorama complexo e multifacetado da violência no Brasil. O estudo, que se
baseia em dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema
de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), ambos do Ministério da Saúde,
revela tanto avanços quanto retrocessos no combate à criminalidade, além de
expor as profundas desigualdades que permeiam a sociedade brasileira.
A edição de 2025
aponta para uma tímida retomada da trajetória de queda nos homicídios, iniciada
em 2018. Entre 2022 e 2023, a taxa de homicídios por 100 mil habitantes no país
registrou uma redução de 2,3%, atingindo o menor índice dos últimos 11 anos
(21,2). Em 2023, 45.747 pessoas perderam a vida em decorrência de homicídios. No
entanto, o estudo também destaca o aumento do estelionato praticado em meios
digitais, que alcançou quase dois milhões de registros de ocorrência em 2023, o
equivalente a um golpe a cada 16 segundos. Esse aumento da criminalidade
digital, impulsionado pela crescente digitalização da sociedade e pela
sofisticação das técnicas utilizadas pelos criminosos, representa um desafio
significativo para as autoridades e para a população. A sensação de
insegurança, portanto, persiste, e até se intensifica, mesmo diante da redução
dos crimes violentos letais, uma vez que o ambiente virtual, cada vez mais
presente no cotidiano, torna-se palco para novas formas de vitimização e
prejuízo financeiro.
O Atlas da
Violência 2025 também aborda a violência contra grupos específicos, como
mulheres, negros, população LGBTQIAPN+, pessoas com deficiência, indígenas e
idosos. O estudo revela que a violência se manifesta de diferentes formas e com
intensidades variadas em cada um desses grupos, evidenciando a necessidade de
políticas públicas específicas e eficazes para o seu enfrentamento. Entre os
dados alarmantes, destacam-se: em relação à violência contra a mulher, 30.980
mulheres negras foram vítimas de homicídio nos últimos onze anos (2013-2023),
representando 67,1% do total de vítimas; a violência contra a população LGBTQIAPN+
teve um aumento nos casos de violência sexual de 1.607,69% para homens trans e
um aumento de 2.340,74% contra travestis, entre 2014 e 2023; pessoas com
deficiência intelectual (29,3%) e visual (59,7%) são as que mais sofrem
violência comunitária; a violência contra indígenas, em específico o suicídio,
teve entre 2023 e 2024 uma possível subnotificação e/ou falta de uma maior
consolidação dos dados, com 205 casos em 2023 e 92 casos em 2024; e a violência
contra idosos mostra que, em 2023, um homem poderia esperar viver 72,1 anos,
mas, na ausência de óbitos por causas externas, este indicador seria de 75,3
anos.
O estudo nos
convida a uma reflexão profunda sobre os desafios da segurança pública no
Brasil. Se, por um lado, a redução dos homicídios representa um avanço
importante, sinalizando o potencial de estratégias focadas na repressão
qualificada e na desarticulação de organizações criminosas, por outro, o
aumento da criminalidade digital, com sua capacidade de vitimizar em larga
escala e gerar desconfiança nas interações cotidianas, e a persistência da
violência contra grupos vulneráveis, cujas raízes se encontram em desigualdades
estruturais e preconceitos arraigados, exigem uma resposta urgente e coordenada
do Estado e da sociedade. O Atlas reforça a necessidade de um modelo de
segurança pública que vá além do policiamento ostensivo e do uso da força, e
que invista em ações que melhorem a efetividade das políticas públicas, com
base no conhecimento científico e na qualificação dos profissionais da área. A
integração de dados, a análise crítica das dinâmicas sociais e o
desenvolvimento de estratégias multissetoriais são, portanto, elementos
cruciais para a construção de uma sociedade mais justa e segura para todos.
* Diretor da Divisão de Estudos e Monitoramento
da Coordenadoria da Atividade
Delegada – Secretaria de Governo
Municipal da Cidade de São Paulo
Formado em Gestão de Políticas
Públicas pela USP
Mestre em Gestão e Desenvolvimento
Regional
Graduando e História pela USP
Professor de Cursinho pré-vestibular
em São Paulo
Contato: italocmantovani@gmail.com
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